É triste lembrar que a quinta maior economia do mundo não tem uma nação de leitores. Uma média de dois livros, inteiros, por pessoa. Esse dado vem de pesquisa do Instituto Pró-Livro, e, além de mostrar a baixa quantidade de leitura, mostra que, se não fossem os impressos obrigatórios na rede de ensino, os chamados didáticos, seria ainda menor.
O que é estranho com relação a isso
é que a venda de impressos, didáticos e gerais, cresce cada vez mais no Brasil.
Ainda que o faturamento das vendas tenha caído cerca de 7% em 2015 em relação
ao ano anterior, devido a crise econômica que o país vive, a venda subiu 2,52%,
cerca de um milhão de exemplares a mais. Isto prova que as vendas continuam
numa crescente interessante, mas continuamos lendo pouco.
Segundo a lista dos mais vendidos no
Brasil no mês de abril, da PublishNews, dos vinte impressos que figuram a
lista, metade são publicações nacionais. Destes, seis são de auto ajuda, com a
presença de dois livros do Padre Marcelo Rossie Augusto Cury, também com duas
obras. Do ranking geral, a obra ficcional romântica da londrina JojoMoyes, “Como
eu era antes de você”, que recentemente ganhou uma versão cinematográfica,
aparece na primeira posição.
Outro fato interessante é que, dos
impressos nacionais na lista dos mais vendidos de abril deste ano, quatro são
livros escritos por youtubers. O livro “AuthenticGames”, do youtuber
Marco Túlio, figura em terceiro na lista geral e em segundo, se contarmos
apenas os nacionais. Já a obra da vlogueira Kéfera Buchmann, “Muito mais que
5inco minutos”, figurou em primeiro, dos livros escritos por youtubers,
em 2015, vendendo incríveis 197.461 exemplares. Para ter uma idéia da expressão
que tem as vendas de livros deste tipo, somente as vendas da obra de Marco
Túlio, nos meses de março e abril deste ano, tem números superiores a toda
venda anual de “A arte da guerra”, um clássico da literatura mundial.
As editoras, por outro lado, não
vêem o mercado desta maneira. O departamento de comunicação da Alvo Editorial,
empresa que trabalha na descoberta e produção de novos autores, comentou sobre
isto. “Discordamos. Avaliamos que o
mercado literário segue em linha
decrescente. Além disso, as grandes editoras não cedem espaço para autores iniciantes, o que ocasiona aumento no número de
publicações independentes e por pequenas e médias editoras”.
Porém, ao que diz respeito a novos autores e a credibilidade das obras
nacionais, o mercado editorial parece empolgado, esperançoso e observador. “A
Alvo é defensora incansável da Literatura Brasileira. Não vemos, honestamente, modo de diferenciar a qualidade. O grande porém é a força
da indústria literária de determinados países. A série "Divergente",
por exemplo, foi para o cinema. É
uma série de muita qualidade, evidentemente. Mas acreditamos que seja
completamente possível que um autor brasileiro escreva uma obra tão boa ou
melhor que a série. Todavia, no Brasil, a probabilidade de chamar atenção do
cinema seria muito menor. Temos muita qualidade na Literatura Nacional.
Precisamos investir em nossos autores”, comenta.
O que não
melhora ainda mais a qualidade do hábito de leitura do brasileiro e um número
maior de compras de exemplares é a baixa qualidade do ensino, básico e
superior, público e privado, do Brasil. Segundo a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil figura na 60° posição num ranking
de 72 países no quesito educação, atrás de nações como Irã, Chile e Uruguai. “Infelizmente,
a qualidade da educação no Brasil é muito precária. O hábito da leitura precisa ser instituído desde a criação, e a escola tem
papel fundamental.
Todavia, isso não acontece. Ocorre, assim, uma desvalorização da leitura
e da Literatura Brasileira”, diz a Alvo Editorial sobre isto.
Estes dados influenciam não somente
no que o público mais consome como também no que é produzido e distribuído pelas
editoras no Brasil. A escrita e o cunho das obras nacionais precisam se
adaptar a um gosto específico das pessoas que compram livros no Brasil. "O problema maior acho que são os livros que ambientam
histórias no Brasil e não autores brasileiros.", disse a autora a
autora Carolina Moura. A plataforma de publicação online e gratuita canadense
Wattpad também mostra outra característica do gosto literário brasileiro. As
obras nacionais mais lidas possuem a temática sexual como tema central. Títulos
como "Puta profissional", "Meu chefe estupidamente
arrogante", "O filho da empregada" e "O irmão
do meu melhor amigo" são bons exemplos disto. Livros com o cunho
erótico alcançam milhões, e, em alguns casos, bilhões de leituras. Quando peguntada
sobre o que a juventude quer ler hoje em dia, Carolina afirmou: "Sexo. Não
importa como você escreve. Não importa se há uma mensagem a passar. Nem mesmo
se há erros de gramática. Eles querem apenas ler sexo".
Já o autor André Regal é mais direto
sobre o que interfere na leitura do brasileiro. “Eu acredito que a falta de
leitura atrapalhe autores de qualquer gênero. Atrapalha o trabalho do próprio
escritor, que não teve uma formação desde a infância de uma leitura mais
crítica. O autor não aprendeu a construir personagens e diálogos sólidos,
montar um arco dramático decente e por sua vez, o leitor recebe esse tipo de
produto nacional para adquirir. Vira uma bola de neve. Quando se cresce achando
Machado de Assis ou Guimarães Rosa enfadonhos, a tendência é que se tenha uma
bagagem cada vez mais rasa”, comenta. Sobre os investimentos do mercado e do
que o público mais gosta hoje em dia, ele foi mais abrangente com relação a
quem também produz a literatura nacional. “Nem acho que o mercado não se
importe em investir. Acho que o próprio artista tem de se respeitar e se
difundir. Por outro lado, essa questão esbarra na última. Se o mercado trabalha
para o público, e o público gosta de conteúdo superficial, fica difícil ele
remar para outra direção”.
A eminente crise editorial no Brasil
preocupa não só as editoras como também os produtores de literatura, os
próprios autores. “Já temos poucas editoras decentes no país. Por outro lado,
temos inúmeras gráfica que publicam seu livro sem ao menos ler, desde que vc
adquira mil cópias. Acho que isso vai empacando e engavetando cada vez mais
autores, naturalmente. Isso sem mencionar a notória falta de qualidade no que
escrevemos, como eu citei no início”, comenta André.
André, que vai publicar seu primeiro
livro, A Lágrima de Giius, pela Editora Prismas, também enfrentou a concorrência
da literatura erótica no já citado Wattpad. “Publicar no Wattpad ou qualquer
outro lugar é uma luta diária. O alcance é consideravelmente menor em
comparação ao da literatura erótica. Por isso, investi pesado em melhoria e
qualidade do texto, para me destacar na divulgação boca-a-boca. [...] A Lágrima
de Giius atingiu 9.000 leituras em pouco mais de três meses, mas agora a
conversa é outra. É hora de sentar, trabalhar duro em cima do marketing e
tentar captar o público alvo”.
Quando se cresce achando Machado de Assis ou Guimarães Rosa enfadonhos, a tendência é que se tenha uma bagagem cada vez mais rasa
Diante de tudo isto temos diversos paradigmas.
Uma baixa qualidade na educação, pouca leitura, pouco marketing e pouco
interesse do público sobre o que é produzido aqui. Em contrapartida temos um
mercado disposto, autores esperançosos e pessoas ávidas por uma boa história.
Aparentemente lemos pouco e mal, mas nada que não possa melhorar.
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